Pensar na vida, nos conceitos, nos relacionamentos... o que nos resta além disso?

domingo, 18 de outubro de 2009

Esse pequeno texto se destina a uma "humilde" análise do filme Equus de Peter Shaffer

Um psicodiagnóstico possível para Alan, do filme Equus seria de psicose. A mola propulsora seria a clássica fixação erótica que o menino tem pela mãe e a falha na triangulação da presença paterna que configuraria o trio edipiano. A religião foi usada como vínculo compartilhado pela mãe e pelo filho, como se fosse uma linguagem de amor onde a mãe fala de sua fascinação sobre a religião e as figuras míticas (dentre elas, o cavalo). A religião é o "algo em comum" que o filho pode partilhar com a mãe, de uma forma socialmente aceita. A fixação pela mãe achou pela via da religião uma vazão. Se o rapaz fosse neurótico a sua fixação teria sido castrada pela atitude do pai de arrancar o quadro do Cristo acorrentado, e posteriomente, quando ele arranca o menino do passeio a cavalo na praia. No entanto o menino não considera essa castração negando a intervenção paterna (a figura paterna jamais teria sido considerada). A manobra psíquica é efetuada quando o quadro do Cristo é substituído pela foto do cavalo, figura já antes enaltecida pela mãe do garoto juntamente com as imagens religiosas. De alguma forma houve o deslizamento do significante Mãe -> Cristo -> Cavalo. Foram captados pontos de similaridade no olhar do Cristo e do cavalo, além da similaridade entre os arreios do cavalo e as correntes às quais o Cristo estava acorrentado. Há ainda em seu delírio falas em que Alan menciona trechos da bíblia, leitura predileta dentre ele e da mãe. Para Lacan a não inscrição do significante Nome do Pai acarretaria naquilo que é mais marcante na psicose: os distúrbios de linguagem e as alucinações. Estava armado o palco para que a psicose e o delírio aparecessem. Há uma clara transposição da pulsão sexual erótica, que antes era dirigida para a mãe, para a figura do Cristo e posteriormente para a figura do cavalo.

Um dos pontos patentes no personagem principal, Alan, é a perda da realidade. A impossibilidade da concretização da sua relação incestuosa com a mãe abre um imenso buraco na realidade. A palavra paterna não é eficaz em impor-se como terceiro na relação, nem em deter a onipotência da palavra materna. As tentativas do pai em ser essa terceira pessoa são insuficientes e apenas realçam o fascínio de Alan pela figura materna. “É a falta do Nome-do-Pai nesse lugar que, pelo furo que abre no significado, dá início à cascata de remanejamentos do significante de onde provém o desastre crescente do imaginário, até que seja alcançado o nível em que significante e significado se estabilizam na metáfora delirante" (Lacan, 1958, p.584). O Pai arranca de Alan o retrato do Cristo sofredor, objeto de amor compartilhado com sua mãe. Diante da tristeza do filho o retrato do Cristo é substituído pelo de um cavalo, romantizado pela mãe. Um dia o pai chega ao quarto e se depara com uma cena impressionante. Alan está com falsos arreios na boca dizendo coisas estranhas sobre Equss. Equss é o deus cavalo, objeto de devoção de Alan, substituto de Cristo, figura da mãe. De acordo com Freud “A neurose não repudia a realidade, apenas a ignora; a psicose a repudia e tenta substituí-la.” (Freud, 1924, p.4) É isso que Alan traz em seu delírio: a tentativa de remodelar a sua realidade. O pai reconhece na religião elemento da problemática do filho, mas não se acha capaz de fazer nada com esse conhecimento. Posteriormente, quando Alan é convocado para uma realidade amorosa ao lado de uma mulher, mais uma vez ele é chamado a dar conta de algo inédito. A tentativa de se relacionar eroticamente com Jill, ainda mais conturbada, pois tudo aconteceu diante dos cavalos, convocou Alan novamente ao simbólico. Ele se depara com uma situação em que seu registro imaginário não é capaz de lidar quando ele é forçado a exercer uma posição fálica. O contato sexual com outro sexo envolveria a chamada ao significante Nome do Pai, ausente. A saída é envolver o elemento cavalo na cena: Alan cega os cavalos que estavam no estábulo, testemunhas de seu dilema. Cegar os cavalos seria cegar o Deus-cavalo, Equss, cegar o Cristo sofredor e por fim cegar a mãe, cuja bocarra de crocodilo estaria aberta sendo segurada apenas pelos arreios do deus-cavalo imaginário, Equss.